top of page

-

Sargento Mérida, sim senhor, sempre atento aos contraventores. A vigilância em nome da sociedade do bem e seu passeio matinal em encontros de cachorros classe A. Meu apito implacável alcança todos os limites em minha jornada de transformação deste lugar tomado por trastes, drogados e preguiçosos. Ninguém escapa dos meus olhos, ninguém ultrapassa os seus limites, o parque está sobre o meu controle.

 

Taí um cara que precisa provar um bom trabalho. Sua missão é bater expediente todos os dias como policial vigilante no parque. A vizinhança do local, maioria de carreira no funcionalismo público e nas forças armadas, tem reclamado da presença de pessoas estranhas, além de relatos de assaltos no parque, que é playground para seus cachorros. Por isso, escalaram o Sargento para dar um jeito nessa bagunça, com ordem de botar todos os vagabundos para correr.

 

Equipado com sua moto e uma farda carregada de bolsos e armamentos, o policial é o novo rei do lugar, tendo tudo sob seu controle e ao alcance de seus instintos para criminalidade. Desde sua chegada, os inocentes jovens e alguns trabalhadores da cidade começaram a para de usar o único parque da cidade para consumir seus cigarros de cannabis, intimidados pela onipresência do Sargento, capaz de enxergar a centenas de metros de distância uma roda de maconheiros ou mesmo sentir através de seu olfato aguçado a presença de consumidores de droga ou eleitores de Dilma Rousseff.

 

A maior incidência de vagabundos é durante o almoço, quando costumam dar uma relaxada nos bancos entre as árvores. No expediente de hoje não é diferente, pois ainda existem desavisados que acham que o lugar está de boa. No bosque das árvores, como de costume, há um suspeito que parece acender algo.  O Sgt. Mérida vai pelo parque ao seu encontro, em uma lenta caminhada no sentido do meliante, que o percebe e se retira. O sargento apita uma vez e o cara continua caminhando em retirada. Apita a segunda vez e o suspeito, um moleque qualquer, nem olha. Após apitar a terceira vez, o policial da um grito com uma poderosa voz de dominação.

-Ei, você, pare aí mesmo! - O suspeito para a retirada no meio do parque e o policial vai ao seu encontro.

​- Algum problema, senhor oficial? - fala o jovem, tentando mostrar cordialidade, mas sem esconder o nervosismo.

- Como é seu nome? - afirma o sargento de descendencia polaca, dois metros de altura, cara de poucos amigos e com bloco e caneta para anotações em mãos.

- Bud Weiserberg.

- Bud o quê?

- Bud Weiserberg. W - E -I - S - E - R - B - E - R - G. É alemão.

- Mas escreve com B?

- Como assim? Meu nome?

- Isso.

- Bud é com B. B-U-D.

- Ok, Senhor Bud! O que você estava fazendo naquele canto atrás das árvores?

- Eu estava fumando um cigarro. Moro aqui do lado!

- Um cigarro de? - e o Sargento coloca a mão em seu cinto de armamentos, parece que vai pegar algo.

- Um cigarro Marlboro. Sou trabalhador. - Responde dando um passo atrás e com a cara já cheia de suor, quase em lágrimas.

- Você está mentindo para mim. Sabe o que acontece com a pessoa que mente para um policial? Ela acaba presa. É isso que você quer?

- Não. - Responde o suspeito, cada vez mais apavorado.

- Então, vou te dar mais uma chance. Venha comigo... - O Sargento pega-o no braço e o conduz até o mesmo lugar entre as árvores onde ele acendia aquele "suposto" cigarro.

- O que o senhor vai fazer comigo? - pergunta e chora. Já nem controla mais suas pernas, que se batem sozinhas.

- Você sabe o que é isso? - diz o sargento, enquanto exibe uma pequena lata de spray retirada de um dos seus diversos bolsos.

- Si-sim. - balbucia acovardado.

- Pois você quer que eu o use agora mesmo?

 

O suspeito nem consegue mais falar e só balança a cabeça em meio de algumas lágrimas. O Sargento baixa a lata e fala:

- Senhor Bud, te pergunto mais uma vez... O que você estava fumando aqui era um cigarro de que?

 

- Maconha, Sargento. Um cigarro de maconha!

 

- Muito bem. Agora, escute-me bem… Vem aqui e veja estes prédios, são todos habitados por militares do mais alto escalão. Eles não querem ver pessoas fumando em seus parques, e é por isso que estou aqui, para dar um fim nisso e tocar daqui pessoas como você. Agora, vá e avise a todos os seus amigos que este parque está sob cuidados do Sargento Mérida, está bem?

 

O rapaz agradece, diz que isso nunca mais vai se repetir e logo desaparece pela rua lateral. O sargento volta ao seu posto de vigilante com sentimento de dever cumprido. Nesta semana já foram oito pessoas abordadas e todas admitiram estar contra a lei. Curiosamente, cerca de quinze minutos depois, acontece uma série de assaltos em uma rua a duas quadras do parque. Muitas pessoas agredidas, outras roubadas, documentos, telefones móveis caríssimos perdidos. O bandido escapou sem ser visto, mas o sargento logo levanta suspeita de algum morador de rua qualquer e ainda conclui que tudo isso é por causa do governo federal e reclama que a polícia não pode cuidar de todo mundo.

 

- Aqui no parque não vi nenhum ladrão -  esbraveja para si mesmo o sargento, em um sentimento de cobrança.

 

Seu expediente acaba às 6 da tarde, quando escurece e o parque vira um breu total. Durante as próximas 12 horas acontece de tudo naquela pedaço de natureza conservado no meio da cidade. Há casos de violência, abandono, pessoas sofrendo, criminosos em fuga, estupros que não entram na cardeneta do Sargento. Os ouvidos do bem dos vizinhos brancos adormecem em suas jaulas de entretenimento financiadas pela nação, os de carreiras corretas e repletas de medalhas.  Seus brindes de caipirosca importada no churrasco de domingo com a vista privilegiada da alta patente decadente da cidade deve ser protegida. Para longe ou para cadeia, essa é a ordem e eu não contesto.

REVISTA GRÁTIS - EDIÇÃO 01 - FEVEREIRO/2017
bottom of page