

Em 1987, Oscar Pintor passeava com sua família por uma nativa Florianópolis quando avistou uma grande figueira, parou seu carro, montou sua Rollei e sacou um único negativo. Daquele disparo, revelou-se um incrível contraste entre a imponente vegetação e as rochas em um horizonte nativo e brilhante de Mata Atlântica.
Cerca de trinta anos se passaram e o fotógrafo argentino nunca mais voltou à cidade. Desde aquele instante mágico, os galhos grandes da velha figueira, seu tronco imponente, a sombra aconchegante no mato e a noite ruidosa da fauna do pântano ensejaram brincadeiras, romances, conversas e a multiplicação da vida. Pintor seguiu sua carreira em Buenos Aires, onde realizou dezenas de exposições, mostras, participações em revistas e diversos trabalhos. A foto da figueira ganhou destaque em seu vasto portfólio, com relevância para fotos de natureza, retratos, interiores e espaços urbanos.
Hoje, aquela paisagem mudou. Aquelas planícies, matas, rochas e pântanos foram duramente agredidos pela intervenção do homem. O ar puro do Pântano do Sul entrou na mira dos empreendimentos imobiliários e modernos condomínios fechados dos investidores. A velha figueira, suas bromélias e orquídeas ficaram no caminho do projeto. Era preciso tirá-las de lá.
Seu transplante legalizado durou dias. A poda, a remoção da vegetação da copa, a retirada da árvore por duas retroescavadeiras, a velha figueira tombada e arrastada por cabos de aço por centenas de metros. Mesmo de pé, os moradores temem pela sua saúde. Mais do que isso.
Morador do bairro, Sérgio conta que o local por ser um pântano serve como berçário e é um corredor ecológico para diversas espécies de aves e mamíferos. Em caso de chuva forte, funciona como amortecedor das águas e todos os anos acontece alagamento. A falta de infraestrutura médica, de educação, saneamento básico e o trânsito de caminhões e transporte de trabalhadores para as obras são outros fatores que causam apreensão nas pessoas da região. A remoção da figueira centenária, um ícone da região, evidenciou um sentimento de abandono pelo poder público.
Por anos, a população luta pela criação de um parque naquele espaço de pântano e mata, através de sua demarcação como área de proteção ambiental, mas algumas assinaturas foram mais fortes que sua vontade. Em uma jogada no apagar das luzes, em 2014, os vereadores responsáveis pelo novo plano diretor da cidade liberaram a construção de condomínios naqueles terrenos comprados por um famoso cantor sertanejo e investidor do mercado imobiliário. Perde-se o ícone ao som de jingles de lotes à venda, com qualidade de vida e a intocável natureza.
A FIGUEIRA no PÂNTANO DO SUL em seu local de transplante


Acredita-se que o estabelecimento da primeira colônia humana na bacia do Pântano do Sul, uma aldeia de caçadores e coletores, foi a cerca de 5 mil anos atrás. Foi ali onde se encontraram os mais antigos registros arqueológicos da ilha, com indícios da presença do homem associada à cultura indígena dos sambaquis, depósitos formados por conchas, velhos esqueletos e sobras de cozinhas. O sítio arqueológico foi escavado e amplamente estudado pelo arqueólogo João Alfredo Rohr, no ano de 1975, e estava localizado na encosta do morro do setor norte da praia, onde fica o antigo cemitério da comunidade atual.
A pesca artesanal é característica local desde a chegada dos primeiros humanos. A tecnologia dos primeiros pescadores era composta de instrumentos de pedra e osso. Os artefatos líticos eram obtidos por lascamento e técnicas avançadas de polimento. As refinadas estatuetas de pedra em formas antropomorfas e zoomorfas evidenciam a relação dos primitivos habitantes com a fauna marítima e terrestre. Evidências também mostram que o aproveitamento dos recursos alimentícios pelos primeiros habitantes da Praia do Pântano do Sul ocorreu através da combinação entre pesca, caça e coleta de moluscos. Artefatos como pesos de rede e os anzóis de osso provam a atividade pesqueira dos habitantes, que também utilizaram diversas partes das espécies marítimas para criação de instrumentos. Para o arqueólogo Rohr, não restava dúvida desta habilidade pesqueira dos primitivos moradores da região. Em O sitio arqueológico do Pântano do Sul, escreveu: “o homem do Pântano do Sul foi exímio pescador. Milhares de litros de ossadas de peixes aí estão a comprová-lo.”
Por volta do século XIV, os índios Carijós ocuparam a área com o cultivo da mandioca para fabricação de farinha. Chamavam a Ilha de Santa Catarina de Meiembipe. A tribo fazia parte da nação indígena Tupi-guarani que habitou o sul do Brasil na época do descobrimento. Eram milhares, de pele clara, característica incomum da maioria dos indígenas, e viviam em pequenas aldeias com cabanas de pau-a-pique. Não havia fome com a abundante floresta como fonte de sustento a base de frutas, caça e pesca. Além disso, utilizavam técnicas arcaicas de plantio de milho e mandioca nas regiões próximas de suas aldeias. Hábeis artesãos em confeccionar redes, cestos, peças talhadas na madeira, canoas e pirogas, utensílios de cerâmica lisos e decorados através de técnicas transmitidas por gerações, principalmente entre as mulheres. Conviveram bem com muitos navegantes estrangeiros que aportavam para reparar, buscar suprimentos e seguir viagem. Viveram na ilha por mais de três séculos, mas a escravidão gradativamente os exterminou e no final do séc. XVIII não havia mais sinal qualquer da grande comunidade indígena.
A colonização portuguesa no sul do Brasil caracterizou-se pela ocupação territorial da costa, posicionando povoados e cidades, com objetivo de protegê-la das invasões espanholas. A cidade de Florianópolis, então nomeada de Nossa Senhora do Desterro, foi um dos importantes portos para os objetivos expansionistas portugueses e dentro dos padrões de ocupação da coroa. No término do século XIX, o Pântano do Sul era um dos vinte e oito pequenos núcleos que formavam a ilha, com cerca de dezoito casas. Sua população era mais de pescadores que lavradores, embora houvesse a presença de terras comunais utilizadas com fins agro-pastoris durante diferentes tempos.
O surgimento do núcleo baleeiro na Armação da Lagoinha veio consolidar a estruturação do espaço local. Até a década de 50 a população era descendentes dos pioneiros colonizadores açorianos, pescadores e agricultores do Pântano do Sul não devia ultrapassar mil habitantes. Então iniciam-se os loteamentos regularizados adaptados ao desenho irregular da vila dos pescadores. A partir da década de 70, a região passou a atrair um contingente populacional maior, que na busca de contato com a natureza e maior tranqüilidade de vida, vem participando da dinâmica sociocultural da área.
A BACIA DO PÂNTANO DO SUL é habitada por pescadores há 5 mil anos. Cultura está ameaçada pelos impactos do crescimento urbano


O crescimento econômico de Florianópolis foi vertiginoso desde então, principalmente no setor imobiliário. Novos empreendimentos surgiram oferecendo opções de vida, com qualidade e bem estar. O aval e incentivo do poder público satisfeito com o crescimento da cidade definiu o setor de serviços e de turismo como prioridades, além de investir milhões de reais em propaganda. Tudo isso sem pensar com profundidade em obras necessárias de infraestrutura urbana para preservação do meio ambiente frágil por si só e de características peculiares conforme sua história natural. As comunidades buscam formas de defender seus interesses, mas seguem preocupadas com a apatia dos líderes políticos em oferecer soluções aos problemas cada vez mais expostos.
No Pântano do Sul, continuam a venda de lotes no condomínio de alto padrão com playground e segurança 24 horas daquelas planícies pantanosas. Seus muros delimitam a propriedade privada da figueira mutilada e abriga até agora apenas um morador.
“Não me surpreende a submissão da natureza por um negócio imobiliário insensível e cego, mas me gratifica saber que essa única fotografia sirva como denúncia”, destaca o fotógrafo argentino da árvore transformada em um ícone da luta ecológica e da preservação da memória do sul da ilha. Seu povo resiste através de sentimentos vividos juntos daquela árvore quase centenária. Mas quantas estações podem durar um sentimento?, escrevem em dúvida no Pântano do Sul: infinitas através da sua história de sobrevivência.

É possível conhecer um pouco da história pré-colonial da ilha de Santa Catarina ao visitar o Museu do Homem do Sambaqui, localizado dentro do Colégio Catarinense no centro de Florianópolis.
O local está ativo desde 1964, organizado pelo padre e arqueólogo João Alfredo Rohr. Obtém grande acervo arqueológico, um dos maiores do Brasil, com aproximadamente 5 mil peças muito bem conservadas e recolhidas pelo padre Rohr, boa parte na Ilha de Santa Catarina e interior do estado.
No acervo encontra-se esqueletos dos povos pré-históricos e indígenas que habitaram Santa Catarina, objetos líticos confeccionados pelos mesmos e um setor de arte rupestre. Há peças cerâmica indígena, taxidermia de animais, coleção de moedas antigas e arte sacra.
Porém, o material mais antigo exposto foi encontra em Santa Maria (RS). Uma ossada de um animal pré-histórico, de 190 a 225 milhões de anos atrás, chamado de Rincossauro.



