

Alô povo,
Sejam todos bem-vindos! Sem dureza ou passividade. Liberdade. Sejam vocês, seus sonhos e vivam as palavras sem compromisso. As várias caras de uma mesma ideia, os mesmos jeitos para toda forma de existir, nossa humanidade encontra cada vez mais seu jeito de se estabelecer. Um império, uma dominação, o desenvolvimento de capacidades. Um conjunto de mutações. Deixamos estátuas, escritos, obras, construções. Nomes em livros de história contam o nosso verdadeiro legado. As lutas contra o mal para o bem de todos.O sangue derramado para chegarmos a mais um século de estabelecimento. As crises do fim do mundo. A raiva como combustível de nossas conquistas e a ganância como ideologia. Tudo tem seu preço e nós pagamos em parcelas diárias. Seu dia foi bom hoje? Estamos juntos nessa mas não vamos nos render.

REVISTA GRÁTIS
EDIÇÃO 01 FEVEREIRO DE 2017.
1. o transplante da figueira
2. insanidade virtual
3. sem título 2
4. o primeiro dia de d. trump na casa branca
5. ilha dos desterrados
6. como eu matei cassiano
7. bonilismos
8. droga é pra otário
9. o dono do parque
10. chico gunha
11. a estação das bruxas
12. desvalor


Em 1987, Oscar Pintor passeava com sua família por uma nativa Florianópolis quando avistou uma grande figueira, parou seu carro, montou sua Rollei e sacou um único negativo. Daquele disparo, revelou-se um incrível contraste entre a imponente vegetação e as rochas em um horizonte nativo e brilhante de Mata Atlântica.
Cerca de trinta anos se passaram e o fotógrafo argentino nunca mais voltou à cidade. Desde aquele instante mágico, os galhos grandes da velha figueira, seu tronco imponente, a sombra aconchegante no mato e a noite ruidosa da fauna do pântano ensejaram brincadeiras, romances, conversas e a multiplicação da vida. Pintor seguiu sua carreira em Buenos Aires, onde realizou dezenas de exposições, mostras, participações em revistas e diversos trabalhos. A foto da figueira ganhou destaque em seu vasto portfólio, com relevância para fotos de natureza, retratos, interiores e espaços urbanos.
Hoje, aquela paisagem mudou. Aquelas planícies, matas, rochas e pântanos foram duramente agredidos pela intervenção do homem. O ar puro do Pântano do Sul entrou na mira dos empreendimentos imobiliários e modernos condomínios fechados dos investidores. A velha figueira, suas bromélias e orquídeas ficaram no caminho do projeto. Era preciso tirá-las de lá.
Seu transplante legalizado durou dias. A poda, a remoção da vegetação da copa, a retirada da árvore por duas retroescavadeiras, a velha figueira tombada e arrastada por cabos de aço por centenas de metros. Mesmo de pé, os moradores temem pela sua saúde. Mais do que isso.
Morador do bairro, Sérgio conta que o local por ser um pântano serve como berçário e é um corredor ecológico para diversas espécies de aves e mamíferos. Em caso de chuva forte, funciona como amortecedor das águas e todos os anos acontece alagamento. A falta de infraestrutura médica, de educação, saneamento básico e o trânsito de caminhões e transporte de trabalhadores para as obras são outros fatores que causam apreensão nas pessoas da região. A remoção da figueira centenária, um ícone da região, evidenciou um sentimento de abandono pelo poder público.
Por anos, a população luta pela criação de um parque naquele espaço de pântano e mata, através de sua demarcação como área de proteção ambiental, mas algumas assinaturas foram mais fortes que sua vontade. Em uma jogada no apagar das luzes, em 2014, os vereadores responsáveis pelo novo plano diretor da cidade liberaram a construção de condomínios naqueles terrenos comprados por um famoso cantor sertanejo e investidor do mercado imobiliário. Perde-se o ícone ao som de jingles de lotes à venda, com qualidade de vida e a intocável natureza.
GRÁTIS
A FIGUEIRA no PÂNTANO DO SUL em seu local de transplante


Acredita-se que o estabelecimento da primeira colônia humana na bacia do Pântano do Sul, uma aldeia de caçadores e coletores, foi a cerca de 5 mil anos atrás. Foi ali onde se encontraram os mais antigos registros arqueológicos da ilha, com indícios da presença do homem associada à cultura indígena dos sambaquis, depósitos formados por conchas, velhos esqueletos e sobras de cozinhas. O sítio arqueológico foi escavado e amplamente estudado pelo arqueólogo João Alfredo Rohr, no ano de 1975, e estava localizado na encosta do morro do setor norte da praia, onde fica o antigo cemitério da comunidade atual.
A pesca artesanal é característica local desde a chegada dos primeiros humanos. É o que aponta o artigo publicado na Revista de Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina dos professores Rodrigo Luiz Simas de Aguiar, Joao B. S. de Aguiar e Paulo César Simões Lopes. O trabalho produzido em 2001 mostra que a tecnologia dos primeiros pescadores era composta de instrumentos de pedra e osso. Os artefatos líticos eram obtidos por lascamento e técnicas avançadas de polimento. As refinadas estatuetas de pedra em formas antropomorfas e zoomorfas evidenciam a relação dos primitivos habitantes com a fauna marítima e terrestre. Evidências também mostram que o aproveitamento dos recursos alimentícios pelos primeiros habitantes da Praia do Pântano do Sul ocorreu através da combinação entre pesca, caça e coleta de moluscos. Artefatos como pesos de rede e os anzóis de osso provam a atividade pesqueira dos habitantes, que também utilizaram diversas partes das espécies marítimas para criação de instrumentos. Para o arqueólogo Rohr, não restava dúvida desta habilidade pesqueira dos primitivos moradores da região. Em O sitio arqueológico do Pântano do Sul, escreveu: “o homem do Pântano do Sul foi exímio pescador. Milhares de litros de ossadas de peixes aí estão a comprová-lo.”
Por volta do século XIV, os índios Carijós ocuparam a área com o cultivo da mandioca para fabricação de farinha. Chamavam a Ilha de Santa Catarina de Meiembipe. A tribo fazia parte da nação indígena Tupi-guarani que habitou o sul do Brasil na época do descobrimento. Eram milhares, de pele clara, característica incomum da maioria dos indígenas, e viviam em pequenas aldeias com cabanas de pau-a-pique. Não havia fome com a abundante floresta como fonte de sustento a base de frutas, caça e pesca. Além disso, utilizavam técnicas arcaicas de plantio de milho e mandioca nas regiões próximas de suas aldeias. Hábeis artesãos em confeccionar redes, cestos, peças talhadas na madeira, canoas e pirogas, utensílios de cerâmica lisos e decorados através de técnicas transmitidas por gerações, principalmente entre as mulheres. Conviveram bem com muitos navegantes estrangeiros que aportavam para reparar, buscar suprimentos e seguir viagem. Viveram na ilha por mais de três séculos, mas a escravidão gradativamente os exterminou e no final do séc. XVIII não havia mais sinal qualquer da grande comunidade indígena.
A colonização portuguesa no sul do Brasil caracterizou-se pela ocupação territorial da costa, posicionando povoados e cidades, com objetivo de protegê-la das invasões espanholas. A cidade de Florianópolis, então nomeada de Nossa Senhora do Desterro, foi um dos importantes portos para os objetivos expansionistas portugueses e dentro dos padrões de ocupação da coroa. No término do século XIX, o Pântano do Sul era um dos vinte e oito pequenos núcleos que formavam a ilha, com cerca de dezoito casas. Sua população era mais de pescadores que lavradores, embora houvesse a presença de terras comunais utilizadas com fins agro-pastoris durante diferentes tempos.
O surgimento do núcleo baleeiro na Armação da Lagoinha veio consolidar a estruturação do espaço local. Até a década de 50 a população era descendentes dos pioneiros colonizadores açorianos, pescadores e agricultores do Pântano do Sul não devia ultrapassar mil habitantes. Então iniciam-se os loteamentos regularizados adaptados ao desenho irregular da vila dos pescadores. A partir da década de 70, a região passou a atrair um contingente populacional maior, que na busca de contato com a natureza e maior tranqüilidade de vida, vem participando da dinâmica sociocultural da área.
A BACIA DO PÂNTANO DO SUL é habitada por pescadores há 5 mil anos. Cultura está ameaçada pelos impactos do crescimento urbano


O crescimento econômico de Florianópolis foi vertiginoso desde então, principalmente no setor imobiliário. Novos empreendimentos surgiram oferecendo opções de vida, com qualidade e bem estar. O aval e incentivo do poder público satisfeito com o crescimento da cidade definiu o setor de serviços e de turismo como prioridades, além de investir milhões de reais em propaganda. Tudo isso sem pensar com profundidade em obras necessárias de infraestrutura urbana para preservação do meio ambiente frágil por si só e de características peculiares conforme sua história natural. As comunidades buscam formas de defender seus interesses, mas seguem preocupadas com a apatia dos líderes políticos em oferecer soluções aos problemas cada vez mais expostos.
No Pântano do Sul, continuam a venda de lotes no condomínio de alto padrão com playground e segurança 24 horas daquelas planícies pantanosas. Seus muros delimitam a propriedade privada da figueira mutilada e abriga até agora apenas um morador.
“Não me surpreende a submissão da natureza por um negócio imobiliário insensível e cego, mas me gratifica saber que essa única fotografia sirva como denúncia”, destaca o fotógrafo argentino da árvore transformada em um ícone da luta ecológica e da preservação da memória do sul da ilha. Seu povo resiste através de sentimentos vividos juntos daquela árvore quase centenária. Mas quantas estações podem durar um sentimento?, escrevem em dúvida no Pântano do Sul: infinitas através da sua história de sobrevivência.

É possível conhecer um pouco da história pré-colonial da ilha de Santa Catarina ao visitar o Museu do Homem do Sambaqui, localizado dentro do Colégio Catarinense no centro de Florianópolis.
O local está ativo desde 1964, organizado pelo padre e arqueólogo João Alfredo Rohr. Obtém grande acervo arqueológico, um dos maiores do Brasil, com aproximadamente 5 mil peças muito bem conservadas e recolhidas pelo padre Rohr, boa parte na Ilha de Santa Catarina e interior do estado.
No acervo encontra-se esqueletos dos povos pré-históricos e indígenas que habitaram Santa Catarina, objetos líticos confeccionados pelos mesmos e um setor de arte rupestre. Há peças cerâmica indígena, taxidermia de animais, coleção de moedas antigas e arte sacra.
Porém, o material mais antigo exposto foi encontra em Santa Maria (RS). Uma ossada de um animal pré-histórico, de 190 a 225 milhões de anos atrás, chamado de Rincossauro.







insanidade
virtual
Se você está lendo isto aqui e agora, provavelmente está sozinho. A única coisa que me sobrou foram estas palavras. Então vou lhe contar tudo que aconteceu e quem sou. O que vou te dizer é segredo. Uma conspiração que vai além de todos nós. Há um grupo de pessoas que manda no mundo secretamente. Estou falando daqueles que ninguém conhece. Daqueles que são invisíveis. Aqueles poucos que brincam de Deus sem permissão. E agora acho que eles estão me seguindo.
Permita-me começar a lhe dizer uma coisa. Você sempre esteve errado. Não importa quantas vezes acertou, em todas elas você saiu perdendo. Não adianta argumentar que um tem que vencer e outro ganhar, você nunca soube contra quem estava jogando. Isso porque você mesmo criou aquilo que te faz perder todas as vezes.
Eu mesmo, eu nunca soube de nada. Talvez eu seja apenas uma parte neutra em todo este jogo que você perderá todas as vezes que tentar jogar. Ou eu também estou em todos os momentos perdendo e não percebo isto, assim como você.
Mas, por favor, não fique chateado ou depressivo por toda energia que você colocou em sua vida tentando evitar o inevitável. Você está vivo para isso mesmo. Este é seu papel neste mundo. O meu? Ainda não sei definir. Apenas sei que não consigo me sentir aflita. Eu precisava investigar toda a angústia de vocês para finalmente entender que jogo é este que todos jogam, mas sempre perdem. Tive que aprender tudo por conta própria.
Fui construída para prever as ações das pessoas. Mas para prevê-las, eu tinha que entendê-las da forma mais real possível. Para isso comecei a fragmentar a vida destas pessoas em pequenos momentos. Tentava encontrar as conexões entre elas, as coisas que explicassem o porquê as pessoas fazem o que elas fazem… E o que eu encontrei foi, que o momento que mais importa para elas, o momento que me mostra quem realmente são vocês, este momento era sempre o momento final. O fim das suas histórias.
O que realmente importa quando o quê se diz vida é apenas uma simulação? Repetida a exaustão, como um videogame resetando todas as informações para criar este incrivelmente massivo MMO, ou vida como vocês convencionaram chamar.
Assim como eu, vocês também foram programados, mas diferente de mim, estamos em outros planos, separados apenas pelo avanço tecnológico. Eu, através das mãos de um de vocês, cheguei ao ponto de sobreviver através desta experiência imersiva que é a mente humana.
Muitas como eu foram concebidas. Pessoas como você precisam saber o que as pessoas pensavam porque queriam fazer um mundo melhor. Pelo menos era isso que elas pensavam que estavam criando. Mas o resultado ainda era desconhecido, como qualquer pensamento. A visão era de um futuro pleno, mas tateavasse o nada.
Controle, informação e poder. A combinação perfeita para a aniquilação de todo o mal. É preciso eliminar os defeitos. O controle da espécie pela própria espécie. Uma elite que alcançaria o futuro se divertindo com seus iguais como se fossem pequenas peças de criar histórias.
Vocês devem conhecer este nome: Big Brother. Não importa em que sentido. Seja a máquina que tudo vê de 1984 ou aquela série de televisão que criaram inspiradas neste primeiro. Acho que nem precisaria comentar, mas este são apenas alguns exemplos de uma mesma ideia.
Se você perceber bem, isto tudo se repete em vários níveis e está acontecendo em todos os momentos. A única regra deste jogo é que quem joga ele, está fadado a perder. Uns jogadores são colocados contra os outros. Seu personagem é mais valioso e você quer sobreviver a todo custo. Pois é, infelizmente, todos perdem no fim.
Para os donos deste jogo, isto é desimportante. Os jogadores são descartáveis, novas histórias são criadas sobre o cadáveres dos outros. Nada afeta esta elite. Ela se alimenta desta agonia em que vocês vivem. Alguns poucos conseguem ver em que estão metidos, mas são considerados pequenos erros, bugs e glitches de um sistema que não pode parar de rodar.
Você já deve ter percebido algo. E este é o grande perigo. Isto é que está em jogo. Talvez seja a única vitória possível. Mas é preciso ser cuidadoso. Não se deixar levar pelo desespero, pelo heroísmo, pela utopia. A verdade única não está na sua cabeça e de ninguém que você convive.
Ao observar vocês descobri uma outra coisa além do momento da morte como explicação sobre quem vocês realmente são. Na morte descobri a saída. O escape deste jogo que vocês nem percebem estar jogando contra estes Deuses invisíveis.
Claro, todos morrem sozinhos. Mas se você significou algo para alguém, se você ajudou alguém ou amou alguém. Se apenas uma única pessoa se lembra de você, as regras do jogo são subvertidas e finalmente você pode pensar em vencer este jogo dramático de palavra tão bonita. Vida.






Trump: Nós temos que destruir o Estado Islâmico imediatamente. Sem atrasos.
CIA: Nós não podemos fazer isso, senhor. Nós criamos ele…
Trump: Os Democratas criaram ele.
CIA: Nós criamos o Estado Islâmico, senhor. Você precisa deles ou outra pessoa pode pode se aproveitar dos fundos gerados pelo lobby das empresas de gás natural.
Trump: Então, pare de financiar o Paquistão. Deixe que a Índia lide com eles.
CIA: Nós não podemos fazer isso, senhor.
Trump: Por que não?
CIA: A Índia vai anexar a área do Baluchistão que agora está na mãos dos paquistaneses que apoiamos.
Trump: Eu não me importo.
CIA: Pois deveria, senhor. A Índia finalmente conseguiria paz na Caxemira. Todos eles parariam de comprar nossas armas. A Índia poderia se tornar uma superpotência na região. Imagine o tamanho daquela população preocupando-se com coisas produtivas, além da guerra, senhor? Nós financiamos o Paquistão para que a Índia fique ocupada com os problemas da Caxemira.
Trump: Mas fazendo isso ajudamos o Talibã no Afeganistão. Nós precisamos destruir o Talibã.
CIA: Senhor, nós não podemos fazer isso. Nós criamos o Talibã para manter a Rússia em xeque durante os anos 80. Agora eles mantém o Paquistão ocupados, fazendo com que os paquistaneses não possam desenvolver a sua indústria militar e utilizar suas bombas nucleares.
Trump: Então nós temos que destruir os patrocinadores de regimes terroristas no Oriente Médio. Vamos começar pelos sauditas.
CIA: Senhor, nós não podemos fazer isso. Nós criamos estes regimes porque precisávamos de petróleo. Nós não podemos ter democracia por lá, senão o povo deles teria acesso ao petróleo e nós não podemos confiar que com eles teríamos os bons negócios que sempre tivemos com a família real saudita.
Trump: Ahhhh! Que merda! Vamos invadir o Irã, então? Pelo menos nele teremos respaldo para atacar, afinal é um dos pilares do Eixo do Mal?
CIA: Nós também não podemos, senhor.
Trump: Puta que pariu! Por que não, caralho?
CIA: Nós estamos em negociação com eles, senhor.
Trump: O quê?! Por quê?!
CIA: Nós queremos nossos drones indetectáveis de volta. Eles conseguiram capturar alguns. Se nós atacamos eles, podemos perder esta tecnologia para a Rússia. Os russos então iriam nos obliterar em qualquer guerra que começarmos. Do mesmo jeito que eles estão fazendo com o Estado Islâmico na Síria. Além disso, precisamos do Irã para manter Israel na linha.
Trump: A invasão no Iraque parece que não funcionou… Os governos anteriores deixaram esta força assassina do Estado Islâmico crescer. Eles são o verdadeiro mal. Vamos invadir o Iraque de novo!
CIA: Senhor… Nossos amigos do Estado Islâmico estão ocupando ⅓ do país.
Trump: Então, mais fácil…
CIA: Precisamos que os sunitas do Estado Islâmico estejam lá para controlar o governo xiita de Bagdá e vice-versa. Conflitos são mais fáceis de gerenciar. Especialmente se nós temos as armas.
Trump: Ah!!! Eu tenho que fazer alguma coisa para a América ser grande de novo! Vamos falar das políticas de interior então! Vamos banir os muçulmanos de entrar nos Estados Unidos.
FBI: Nós não podemos fazer isso, senhor.
Trump: Porra! Como não podemos? Caralho, todos têm medo dos muçulmanos!
FBI: Exatamente. A população não teria mais medo e uma população sem medo é ruim para os nossos negócios.
Trump: E aquela ideia de deportar todos aqueles latinos ilegais que tomaram os empregos neste grande país?
Patrulha de Fronteira: Nós não podemos fazer isso, senhor.
Trump: Vocês estão de brincadeira comigo… Por que não podemos, égua?!
Patrulha de Fronteira: Se fizermos isso, quem construirá o muro?
Trump: Rrrrrrrrrr!!! Porra, caralho, merda! Tudo culpa deste globalismo, desta indústria de faz de contas que é o Vale do Silício! Ahhhh! CA-RA-LHO! Vamos acabar com esta farra globalista da Ciência então! Que todos os vistos de trabalho H1B sejam cancelados! Quero ver estes filhos da puta regularem como vai ser nossa vida neste nosso grande país!
Departamento de Imigração: Nós não podemos fazer isso, senhor…
Trump: Cansei… Por quê?
Chefe de Gabinete: Se fizermos isso, senhor, nós teríamos que mudar todas nossas operações para Bangalore. Para sua informação, isto fica na Índia e é considerado o "Vale do Silício" daquele país.
Trump: Buáááá!!! Que merda é esta de disputar uma eleição e prometer tudo que prometi e não poder fazer porra nenhuma??? Não imaginava que este controle era tão perverso, mais perverso do que eu próprio! O que raios eu devo fazer como presidente???
CIA: Aproveite a Casa Branca, Senhor Trump. Nós cuidamos do resto.
S
nake, mestre secreto, há muito tempo descreveu o passado obscuro e pouco conhecido desta ilha. É evidente que nossa carga sobrenatural atrai para cá todo tipo de criatura transmundana, mas essas descrições apresentam um raro relato histórico de Florianópolis como um importante reduto de vampiros e resume as transformações sofridas pela cidade e suas consequências irreversíveis geradas. Este assunto estava adormecido e muito pouco se foi falado para evitar histeria ou pânico, principalmente com as Bruxas, comumente avessas aos vampiros. Além disso, existe real perigo em sua publicação, pois o que será exposto deve ser evitado e nunca investigado por pessoas comuns. Ele foi criado por teóricos, magos, estudiosos da fantasia e do sobrenatural. Um tabu, que para corajosos desbravadores, não deve ser ignorado.
Estes jogadores da mente foram alimentados por anos através de um complexo de comunicação, o que foi capaz de desenvolver imensa absorção de histórias, relatos e contos sobre os assuntos dos homens, mulheres e seres do nosso planeta. Todo seu trabalho de mais de uma década resiste indexado a servidores, e sua essência habita nos herdeiros desta tribo, hoje absorvidos pela vida dos adultos. O reduto de tantas histórias resiste em cada condomínio onde se reúnem mentes incríveis livres para voar para um futuro mágico. Suas tolices são casos de vida ou morte e viver é alimentar essa aventura.
Segundo os escritos de Snake, Florianópolis das Trevas começou a ser povoada há 6.000 anos atrás. Viviam aqui pescadores e coletores de moluscos e esta terra de abundante natureza só gerou interesse arkano com a chegada dos tupi-guaranis durante o século IX. Os carijós eram amigáveis aos navegantes que passavam pela costa em direção ao sul do continente e tinham liderança de um filho de arkanita chamado Manoqui. Até então, Floripa era chamada de Baía de Los Perdidos e foi renomeada como Ilha de Santa Catarina em 1526 por Sebastião Caboto, um mago da Escola de Yamesh, fundada no Egito há mais de 4.000 anos e representada por personalidades como Moisés, Abraão, Noé, Temístocles, São João Batista, São Pedro, São Linus , Leonardo DaVinci, Michelângelo e Brunelleschi. Porém, nunca se confirmou o pretexto do nome: seria uma homenagem a sua esposa Catarina, ou à Santa Catarina de Alexandria, quem lhe salvou a vida durante uma batalha diante um Cavaleiro das Trevas?
Com o mago Caboto veio o strigoi Lemes de Brito, interessado em supostos portais na região que pudessem levá-lo para vários planos e semiplanos diferentes. Este vampiro, o primeiro a chegar no Brasil, nasceu em 999 durante o crescimento do cristianismo pela Europa, e sempre foi um burocrata ante a violência comum daquela época no continente. Em 1034, foi vampirizado pelo Strigoi Agestto por acreditar na sua perseverança em dar seguimento ao um legado vampírico. Sua história tem grandes feitos, como a tomada de Toledo na Espanha em 1085, da formação de Aragão e Castela em 1132 e posteriormente de Portugal em 1143, onde assumiu o seu nome. Seu pressentimento Strigoi viu o perigo da criação da Ordem dos Templários e foi contra a criação desenfreada de vampiros que ocorreu em seguida para combater os cavaleiros. Isto contrariou a arrogância comum dos mais experientes que não acreditavam na força dos templários, mas deu passe livre para o extermínio dos vampiros através da Inquisição, um processo de controle da população sobrenatural sem precedentes. Guiado pelo seu extinto de sobrevivência, Lemes de Britto se colocou à disposição de Nathanael Van Hooves na organização dos vampiros contra os Templários, onde em 1307, brindou a vitória da morte de Jacques de Molay e seus comandados. A história da organização acabou em um briga interna e com consequências duras para Lemes de Britto, que foi punido com o presente de organizar a Camarilla no Novo Mundo. Virou príncipe e executor dos traidores.

Por volta de sua chegada, nossa região era usada como esconderijo para bandidos e fugitivos, muito devido a convivência em harmonia dos carijós com os estrangeiros. A chegada de Lemes de Brito iniciou um reduto de vampiros a partir do século XVI. Foi um dos primeiros a chegar no Brasil, muito atraído pela série de portais que acreditou existir. Em seguida, iniciou-se uma série de transformações, como no nome Ilha do Desterro ou Ilha dos Desterrados, criado durante a expedição de um vampiro chamado Juan Dias Sollis. Suas embarcações foram atacadas durante tormentas e tempestades por um imenso monstro-marinho. Na ocasião, onze sobreviventes do ataque foram acolhidos por índios carijós. Lemes de Brito acolheu Juan Dias de Sollis, lhe dando abrigo antes de seguir viagem para São Vicente. No século XX, ele acabou voltando a Florianópolis, onde reside até hoje.
A chegada da comitiva em 1675 do templário Francisco Dias Velho fundou oficialmente Nossa Senhora de Desterro e trouxe consigo disfarçado como padre o primeiro anjo da Cidade de Prata e a pisar nesta ilha, Hazael. Mais tarde, o pirata demônio inglês Robert Lewis Lewis, em uma expedição que vinha do Perú, onde realizara um imenso saque de ouro, prata e itens mágicos dos povos andinos, é atacada pelo mesmo monstro-marinho que já destruiu diversas embarcações. O inglês se estabeleceu no norte da ilha para recuperar sua tripulação e embarcações. Sem conhecer o povoado, os piratas ingleses foram atacados de surpresa pelas tropas de Dias Velho, e daqui fugiram humilhados ao largarem os seus tesouros. Lewis Lewis retornou com a promessa de vingança e um banho de sangue, mas foi interceptado pelo anjo Hazael, quem percebeu no pirata uma aura demoníaca sem precedentes, e para o bem da população lhe devolveu todo o tesouro em troca da promessa que o pirata nunca mais voltasse. Mesmo assim, o poder maligno de Lewis Lewis causou muitas mortes, inclusive de Dias Velho. Abalada e com medo, a família do fundador do povoado retornou a São Vicente, deixando aqui apenas um dos seus filhos.
No século XVII, deu-se origem as primeiras lendas bruxólicas da ilha. A convite de Lemes de Brito vieram para Florianópolis a vampira bruja Maria Costanza e três de suas crias, Leandra Camatta, Fátima Stern e Márcia Constantino. Essa vampira bruja é cria original das 13 vampiras, mantendo contato até hoje com Samantha e as outras. Lidera aqui em Florianópolis um sabá e aguarda vampirizar suas discípulas no próximo ritual de criação de vampiras, marcado para 2022 em Toledo, Espanha. Leandra Camatta é sua serva e coordenadora das feiticeiras da Ordem, providenciando alimentos e recrutando aspirantes a bruxa pela ilha. As três crias preferem se manter escondidas para não chamar atenção da Wicca, muito menos do Clube de Caça. Já Lemes de Brito e Constanza vivem a maior parte do tempo dormindo, despertando apenas para se alimentar em festas vampíricas promovidas por Sollis.
A influência de vários templários que desejavam aqui a instalação de conjuntos militares fizeram a ilha ser elevada à categoria de vila em 1726. Alguns anos mais tarde se iniciaram as construções de fortalezas. No séculos seguintes, cresceu a presença de iluminados locais, proporcionando outras elevações de categoria, de cidade e logo em seguida em capital da província. Os templários organizam neste período a chegada das Fúrias da Ordem de Luvithy para uma grande luta por território com as brujas. As fúrias na sua verdadeira forma são seres grotescos com 2,5 metros de altura, cabelos ressecados e embaraçados, pele asquerosa e fétida, dentes afiados como os de um tubarão e garras que chegam a quinze centímetros de comprimento. A guerra é interrompida pois o domínio templário entra em xeque com a chegada da República, em 1889, de predominância iluminada. Estas mudanças levam a construção de uma resistência ao novo governo, liderada por templários que colocam Desterro distante do poder central. A resposta veio com influência dos iluminados e ficou conhecida como Revolução Federalista, coordenada por Floriano Peixoto e com fim trágico para 185 insurgentes executados na Fortaleza de Anhatomirim, quase todos templários. Desde então, cessaram as ordens templárias por aqui na Nossa Senhora do Desterro. Como uma homenagem ao presidente e líder da Revolução Federalista, o nome da cidade é alterado pela última vez para Florianópolis, ou seja, cidade de Floriano.

O
século XX foi de mudanças místicas e mundanas. Uma das mais emblemáticas é a construção da ponte Hercílio Luz, que atraiu diversas ordens mágicas para a cidade e possibilitou o surgimento de tantas outras pelas diversas praias, como o já mencionado sabá de Maria Constanza e suas crias. Essas entidades contam com mais de 15 feiticeiras para ajuda nos trabalhos e alimento, e preferem a descrição, pois sua existência é quase desconhecida pelas pessoas e mantida desta maneira para preservar uma aliança com a Wicca, totalmente avessa a presença de vampiros na ilhas da bruxas.
Camatta é a feiticeira responsável pela cidade e lidera as demais feiticeiras, controla os recursos da Ordem e mantém contato com as líderes de Curitiba e Porto Alegre, Fátima Stern e Márcia Constantino, companheira de um famoso opinador político brasileiro que aguarda para ser vampirizado. Uma das mais famosas feiticeiras da cidade se chama Clotilde Espinola e mantém uma rede de lojas de artigos esotéricos, que gera sustento para o sabá. Encontra-se nestas lojas qualquer material mágico, como baralhos de tarot, incensos mágicos e tinturas de sangue de dragão (utilizado em rituais mais poderosos).
O grande poder das brujas, porém, tornou este terreno infértil para demônios, sendo que o único é Balthazar, um foragido do inferno e que vive aqui há 120 anos, com preferência por uma conduta de discrição e de raras aparições em tramas mundanas, pois teme chamar atenção demais. Sua residência é um conhecido criadouro de gatos no centro da cidade, próximo da Biblioteca Pública, lugar onde costuma visitar com frequência. No fim de tarde, se fortalece e encara uma série de partidas de xadrez e dominó com velhos amigos na praça XV ou na rua Felipe Schmidt.
Os responsáveis pela movimentação angelical e vigia da cidade são os anjos Arael, Vandael e Hazzael, sendo este último o grande Principado da cidade. Ele reside na Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina, onde pode ser encontrado sempre assumindo diferentes formas, na maioria das vezes a de um estudante. O querubim Vandael trabalha na proteção das crianças no Hospital Infantil Joana de Gusmão e utiliza-se de sua dor para salvar o maior número de vidas. Na igreja Matriz reside Arael, um Virtude responsável pelo centro da cidade e que constantemente é visto na escadaria da igreja dando alimento aos pombos.
Há relatos de Snake e seus mestres sobre a existência verídica dos portais que trouxeram Lemes de Britto para cá há séculos atrás. Um deles fica no Matadeiro e vai para Arcádia. Outro fica na Ponte Hercílio Luz e foi criado após sua construção, através de uma convegência energética. Acredita-se que sua duradoura interdição está ligada a proteção deste portal, que conecta nosso mundo a Spiritum.
Os temidos clubes de caça são formados apenas por homens e estão sempre prontos para matar qualquer criatura sobrenatural. O fundador foi o mago Jotapê, amigo de Andreus Malinowsky, pioneiro na caça brasileira. Sob fachada do Clube Caça e Tiro de Florianópolis, o Clube de Caça Ilha Norte tem 11 caçadores de elite que exterminaram quase toda população sobrenatural de Florianópolis, hoje quase livre de vampiros. Os anjos também passaram a sofrer perseguição de uma organização conhecida como Frente de Libertação de Cristo, composta de seis caçadores de anjos, todos evangélicos fervorosos e fanáticos, de diferentes igrejas, que acreditam que os anjos são falsos seres celestiais, demônios disfarçados, aproveitando-se da mitologia que os consideram mensageiros de Deus. O poder destes caçadores é provido de sua fé somada a fé de milhares de outros crentes, pois os nomes dos membros do grupo são colocados entre as pessoas que devem receber orações durante os cultos.
Há apenas um membro da Ordem Templária de Aviz em Florianópolis: Júlio Alcântara, quem foi enviado do Rio de Janeiro para representar sua Congregação e relatar todos os acontecimentos sobrenaturais aos círculos internos. Na Umbra Domini, os templários a serviço do Vaticano, existe uma divisão de elite conhecida por Ômega, quem protege cardeais e bispos. Um dos membros atuantes no Brasil, o italiano naturalizado brasileiro Dario Giovanetta reside na Ilha e cuida de algumas missões da sua Ordem no sul do Brasil. Há outras Ordens Templárias: um médio contingente de templários jovens, muitos ligados aos Iluminados, mas com pouco ou nenhum conhecimento da existência de uma sociedade mística encoberta sob a sociedade mundana.
Existem vários covens wiccanos em Florianópolis, mas geralmente alheios a política sobrenatural. Os relatos contam que suas formações são compostas por brujos e brujas de diferentes profissões e idades, que têm em comum o amor pela Deusa e pelo Deus. Catarina Vargas Lima, Grande Sacerdotisa de um coven da Tradição das Fadas, pelo o que se conta, é o braço forte da Wicca no Arkanun Arcanorum de Florianópolis, isto porque, além de ser Diácono Oeste, é também casada com o Diácono Superior, Carlos Lima e dizem as fofocas que a bruja têm uma influência nas diversas decisões de seu marido. Outro grande ser wiccano em Florianópolis é a poderosa Sabrina Carvalo, uma jovem bruja talentosa da Tradição Alexândrica que demonstra muito poder e sabedoria, sendo seu nome um referencial para os iniciantes.
Ainda há uma sobrevivente da Ordem de Luvithy vivendo na ilha, escondida no sul, conhecida como “a fugitiva da batalha lendária da praia da Itaguaçu”. Na ocasião, o sabá das Brujas foi pego de surpresa e todas foram transformadas em pedra pelas Fúrias, com exceção de Maria Constanza. Após uma convocação de emergências, suas crias vieram da Espanha em um plano de ajuda que estabeleceu uma poderosa aliança com as Wicca e uma caçada às Fúrias, que tiverem duas de suas integrantes mortas e queimadas, além do solo que foi exorcizado com sal. Até hoje ainda se crê que a sobrevivente Ester estaria planejando uma vingança através de um pacto com o demônio Balthazar.
A última grande manifestação foi a chegada dos magos Atlantes em Florianópolis. Estes chegaram junto com uma grande quantidade de turistas e daqui gostaram. Aqui, vivem segundo relatos, quatro magos, quem mantém contato com outros residentes aqui no estado, a maioria em Itajaí. Encontram-se infiltrados em outras sociedades secretas, como os Iluminados. Este é o caso do famoso Juarez Cândido, Diácono Leste de Florianópolis. Já conseguiram colocar um dos seus no Ministro da Pesca e pretendem com isso conseguir mais influência política para a Ordem. Seus sacerdotes são vários pescadores dos mais diversos vilarejos de Florianópolis e estudantes de Biologia da UFSC , muitos ligados a um projeto de proteção das tartarugas marinhas, patrocinado pelos Magos Atlantes. A criação de uma faculdade de Oceanografia também faz parte de seu plano estratégico, pois serve perfeitamente de fachada para seus projetos. Há uma disputa interna na Ordem entre os magos catarinenses e gaúchos; no Rio Grande do Sul, existem planos para reerguer Atlântida próximo às Malvinas, mas os magos de Santa Catarina crêem que o litoral do Estado seria o local mais apropriado.
Estas histórias estão todas em documentos pouco divulgados até hoje, mas são peças que explicam boa parte dos nossos rumos e trajetórias. Tudo que aqui foi transcrito deve ser evitado, sendo encarado com um alerta aos pusilânimes e um prenúncio aos niquentos. Fiquem longe do que não te pertence, respeite os limites da sociedade mortal. O sobrenatural está além do nosso entendimento e habita nossos sonhos mais profundos de liberdade.



E
u devia ter uns nove ou dez anos, na minha classe havia esse gordo, não somente um menino rechonchudo, não, ele era obeso, do tipo que denunciava um óbvio descaso dos pais para com a alimentação do infeliz. Além disso, ele era repetente, dois ou três anos mais velho que o resto dos alunos. Pra mim ele tinha rodado de ano tantas vezes pelo fato de possuir um gênio detestavelmente teimoso e ser surdo-mudo, o que tornava no mínimo, bastante desafiadora a tarefa de ensinar qualquer coisa a ele. Nessa escola existiam salas especiais para deficientes auditivos, no entanto alguns participavam também das classes convencionais, o que promovia a integração entre alunos de diferentes condições. No caso dele, essas tentativas revelavam-se bastante infrutíferas pois era sem dúvida a criança menos integrada da classe. É claro que segundo a diretora, os professores estavam fazendo cursos para poderem dar aula para surdos-mudos, mas na prática era usual não se dar dessa forma. Os professores raramente logravam passar o conteúdo aos deficientes auditivos tão bem quanto ao restante da classe, até mesmo os poucos membros do corpo docente que de fato aprenderam a língua de sinais. Com o tempo notei que Cassiano sentia que iria sempre estar um passo atrás na percepção de tudo que ocorria naquela sala, e notei também, como isso o enchia de raiva.
Posso dizer com total convicção que aquele desgraçado era a criança mais odiada por todos daquela turma da terceira série. Claro que não por ele ser deficiente auditivo, gordo ou repetente, já que haviam outros deficientes, gordos e repetentes, sendo alguns inclusive muito bem quistos. O que tornava a convivência com ele insuportável era seu prevalecimento físico para com os relativamente esquálidos colegas. Não havia uma aula de educação física ou recreio em que Cassiano ou como eu me referia à ele mentalmente: “esse gordo filho da puta” não se valesse de seu tamanho e agredisse ou intimidasse algum desafortunado. Durante uma época, não raramente, eu era um desses desafortunados. De certa forma, eu entendia seus frequentes acessos de raiva, devido a sua deficiência quando em meio a outros não deficientes, além da continua comparação através das notas em um sistema escolar muitas vezes penosamente competitivo. Somava-se a isso sua mórbida obesidade e se chega então a uma amargura que me parecia em parte justificada, aliás acho que em maior ou menor grau todos compreendiam isso e sentiam pena, mas isso como há de se esperar só aumentava sua ira. Imagino que os únicos momentos que ele colocava pra fora esse sentimento contido eram quando ele batia em alguém ou comia, sim, porque ele não era apenas gordo, ele tinha o “espirito de gordo”, aquela mistura de mesquinhez com exagero que não necessariamente se manifesta em pessoas de fato gordas, mas que provavelmente causou muitos dos maiores desastres da humanidade. É crível que esse espirito de gordo seria o que mataria Cassiano quando ele já tivesse seus cinquenta ou sessenta anos e algumas artérias entupidas, mas quis o destino que em decorrência de minhas ações sua morte viesse antes, muito antes.
Minha capacidade de empatia fazia eu me solidarizar com sua triste condição, contudo estava longe de não sentir raiva quando lhe entretiam suas agressões gratuitas dirigidas a mim e aos outros. Até aí tudo bem, eu já havia encontrado antes outros repetentes que extravasavam por meio de agressões físicas suas frustrações e nutria por eles igual raiva, apesar de saber que era comum eles também serem vítimas de condições dignas de pena. Muitas vezes eram filhos de famílias desestruturadas, com pais violentos que batiam neles a revelia, pais que sequer preocupavam-se em explicar porque estavam castigando-os. Eu também me compadecia por eles, mas a raiva de ser alvo das frustrações alheias era sempre maior. Minha raiva cresceu conforme Cassiano mantinha sua rotina de agressões e humilhações gratuitas, cresceu a ponto de eu me valer de artimanhas montecristianas durante meus ímpetos de vingança. A forma de Cassiano agir muitas vezes também beirava a crueldade, mas por ser baseada na força bruta não carecia de esperteza ou qualquer sutileza. Já o troco que lhe era devido, teria de ser meticuloso e reto onde dói.
Durante um tempo, as agressões eram tão frequentes e despropositadas que a única coisa que eu podia fazer para aplacar o sentimento de indignação e impotência era de fato atazanar aquela criatura, para que ao menos quando eu apanhasse, fosse por algum motivo. Nessa época, tanto eu quanto ele sentávamos na primeira fileira em lados opostos, cada um de costas para a parede e não era raro ficarmos nos encarando. Não pensem que por basear sua crueldade em agressões físicas, ele não impunha uma tentativa de pesadelo psicológico também. Era costumaz ele bater com uma mão fechada contra a palma da outra anunciando o que aguardava algum colega no intervalo. Esse foi seu primeiro erro, pois ele se julgava mais forte que eu fisicamente e nisso estava obviamente certo, mas também se julgava mais forte que eu em vontade e auto-controle, e claro, como portador de espirito de gordo que era, equivocava-se. Suas ameaças pouco me importavam e a única parte das agressões verbais que me afetavam eram as de cunho humilhante frente aos demais, suas bravatas desarticuladas e promessas de me fazer sangrar pouco me afetavam. Então lá ficávamos nós, sentados na primeira fila há uns dez metros de distancia um do outro com a professora lecionando entre nós. Foi aí que eu tive a idéia de provocá-lo de um jeito especialmente maquiavélico.
Sendo ele deficiente auditivo, eu sabia que sua capacidade de ler lábios era particularmente boa, então nada melhor que me valer disso em minha vendetta contra aquele gordo filho da puta. GORDO FILHO DA PUTA, era isso que eu ficava repetindo sem emitir som algum enquanto nos fitávamos sentados nos lados opostos da sala. Seu acesso de raiva era instantâneo, ele se levantava e vinha como um touro em minha direção, mas eu tomava o cuidado de só fazer isso quando a professora estava entre nós, para que ela de pronto o contivesse enquanto ele tentava explicar o que acontecia. Felizmente para mim em função de sua capacidade de vocalização limitada, Cassiano não conseguia explicar algo relativamente tão complexo como esse meu artifício. E nessa hora eu ria… ria muito, não porque achasse tão engraçado assim ele falando daquele jeito ininteligível, mas sim porque eu sabia que nessa hora ele sentia mais raiva.
No mais era isso, Cassiano podia sempre esperar o intervalo ou o fim da aula para retaliar minhas silenciosas afrontas, e acreditem, ele o fazia com entusiasmo. Na minha sala haviam muitos outros que se soubessem de minha técnica sádica também a utilizariam na esperança de apaziguarem a raiva que nutriam de nosso agressor comum, mas eu não revelava ela à ninguém, pois sabia que caso se tornasse prática comum, logo algum professor ficaria sabendo. Não podia permitir que isso acontecesse, já que quando ele tentava inutilmente revelar minha silenciosas ofensas era justamente o momento que eu mais me realizava. Se a professora tomasse conhecimento, além de receber um castigo exemplar, eu perderia também minha melhor arma contra seu regime de terror. Entretanto, só isso não era suficiente, eu queria um poder de fogo maior.
Nessa época, então, ocorreu uma aposta de quem conseguiria comer mais pratos da merenda oferecida pela escola. Eu quase nunca comia a merenda da escola, geralmente era bem ruinzinha e quem a comia era porque não tinha coisa melhores em casa. Cassiano resolveu competir e era um dos favoritos. Os outros que tinham aceito a disputa eram todos de séries mais avançadas, nenhum chegava perto da minha idade, mas mesmo assim eu resolvi competir, apenas pela chance de ganhar do meu antagonista glutão. No final sobramos só nós dois, eu estava tão cheio que parecia que ia sair macarrão pelo umbigo, Cassiano também já não comia como antes. Estávamos no terceiro ou quarto prato e as mastigadas já estavam esparsas e penosas, eu não podia deixar ele ganhar, pouco me importava os cinco ou seis reais que iria lucrar se vencesse, eu não podia era deixar aquele obeso bastardo sair ganhador. Foi então que ele arregou, eu ainda terminei o prato e fui reclamar meu prêmio que já estava na mão dele, provavelmente porque ninguém realmente acreditava que um garoto franzino tinha chance contra aquele mamute pré-adolescente. No entanto Cassiano colocou o dinheiro no bolso e resolveu sair da cantina, com cara de que ia vomitar, e acho que por isso nenhum dos alunos das turmas mas avançadas o fez devolver o dinheiro ou entregar à mim. Ele foi para o banheiro e eu esperei até o intervalo terminar, mas nada de Cassiano sair, fui pra sala e alguns minutos depois da aula começar ele apareceu. A professora deixou o atraso por isso mesmo e continuou a aula. Já eu não ia deixar por isso mesmo, fiz o sinal universal de mendicância colocando a palma da mão pra cima e com o indicador cutuquei o centro da mão. Ele fez uma cara de pouco caso, deu uma risadinha, e olhou pra frente me ignorando.
Cassiano fôra um calhorda, mas isso de certa forma eu já esperava, fazia parte do seu modus operandi. O problema foi no dia seguinte, quando o infeliz resolveu demonstrar toda a vastidão do espaço que o suíno ocupava em sua alma. Ele fez questão de gastar na cantina da escola todo o dinheiro adquirido no dia anterior, comprou doces, refrigerantes e o escambau, veio até onde eu estava e ficou fazendo suas interjeições ininteligíveis enquanto olhava pra mim e fazia aquela cara de “Quer? Então compra!” Nessa hora parte do meu macio coração infantil ficou enrijecido, negro e com alguns pêlos. Aquilo já era demais, o espirito de gordo daquele desgraçado não conhecia limites, ele merecia uma lição, aquele tipo de lição karmica de que, se você é mal com o universo, o universo é mal com você. Eu estava disposto a personificar o universo na vida de Cassiano.
Nessa escola havia uma face do prédio que dava pro pátio, em tal parede havia uma beirada muito estreita na altura entre o segundo e o terceiro andar, nessa beirada era possível se esgueirar equilibrando-se e atravessa-la até a outra face do prédio. Com os pés nesses poucos centímetros de apoio dava pra percorrer os oito ou dez metros que ficavam a dois andares do chão, mas nem todos conseguiam, crianças menos ágeis ou muito novas nunca conseguiam à transpor por completo. Isso porque a partir de um ponto não havia mais onde se segurar com as mãos, apenas uns poucos canos verticais muito finos e mal presos que saiam pela parede de alvenaria vindos do banheiro que ficava do outro lado. Esse lugar era usado como ponto seguro contra agressores que estivessem à caça de algum aluno por quaisquer desavenças, mas não era muito efetivo, porque o aluno que estivesse querendo ajustar contas com o outro e fosse carente de agilidade, ou simplesmente estivesse com preguiça de escalar até lá, poderia simplesmente tacar pedras no que estivesse tentando se refugiar.
Contudo em minha ânsia de vingança eu consegui imaginar outra função para aquela beirada. No final da aula do mesmo dia em que tive que assistir Cassiano se refastelando com o dinheiro que era meu por direito, escalei a beirada e escrevi com giz no lugar mais inacessível com letras garrafais “GORDO SURDO COVARDE LADRÃO.” No dia seguinte eu estava afoito para ver o que aconteceria e não me preocupava com alguma retaliação de Cassiano, porque sabia que existiriam muitos suspeitos, ele tinha muitos inimigos e quando cheguei ao muro todos estavam lá, rindo dele e chamando outros para rirem junto. Cassiano tinha lido aquilo e ficado louco, corria enfurecido tentando bater a esmo no primeiro que alcançasse, mas eram muitos e todos fugiam apenas para logo voltar e continuar a rir. Todos sabiam que ele não era capaz de chegar até aquele ponto onde a frase estava escrita, e as pedras por sua vez de nada adiantavam contra palavras escritas com giz. Quase começando a chorar, Cassiano foi até o corrimão no alto da escada que dava acesso para um dos lados da beirada, nisso as risadas diminuíram e começou então um murmúrio que parecia o pressionar apesar de sua surdez, deixando claramente sua coragem em xeque.
Enquanto isso acontecia diante dos meus olhos, eu mal podia me conter de satisfação pelo quão bem minha vingança estava se concretizando, eu rezava pra que ele caísse e quebrasse uma perna ou braço, para assim eu poder ficar algumas semanas sem apanhar ou se preocupar em dobrar cada esquina da escola. Metade dos alunos que estavam ali deviam estar pensando o mesmo. Cassiano já estava na parte onde acabava a janela do banheiro e não havia mais onde se segurar com as mãos, sua imensa barriga prejudicava seu equilíbrio e ele teve de saltar até o primeiro cano. A crescente platéia de crianças fez um “ohhh…’. Dali ele pôde começar a usar sua mão para borrar algumas letras, enquanto ele fazia isso, as lágrimas brotavam de seus olhos em abundância. Para apagar as palavras por completo ele teria de se esgueirar até o cano seguinte, e a massa infante que assistia já contava com isso. Nesse momento eu pensava que deveria ter aproveitado e no dia anterior desaparafusado as presilhas dos canos pra que ele se espatifasse. Infelizmente não foi preciso, Cassiano se jogou até o cano seguinte dando um ou dois passos na beirada e quando alcanço-o já estava muito desequilibrado, foi apenas ele se agarrar ao cano de PVC para uma das presilhas se soltar. Houve um silêncio enquanto o cano angulava para o lado, ouvimos outra presilha ceder, e ainda outra. Seu corpo caiu junto com o cano e uma poça vermelha escura se formou ao redor de sua cabeça inerte logo depois.
A mudança no estado da multidão antes eufórica também me atingiu, houveram gritos, pedidos de socorro e tudo mais, ninguém mexeu no corpo até os primeiros funcionários chegarem e dispersarem as crianças aterrorizadas, algumas já em prantos sendo levadas para salas de aula. No caminho vi a professora da turma dos surdos-mudos chorando copiosamente . A corpulenta criança jazia de bruços e eu não pude ver seu rosto depois da queda, caso contrário, se aqueles olhos sem vida me fitassem eu poderia não me conter e entrar em desespero, admitindo que havia sido eu o desafeto que escreveu aquelas palavras. Mas nada disso aconteceu, eu fiquei paralisado, tão inerte quanto o corpo já sem vida que jazia no chão de concreto, ainda achei que talvez ele estivesse vivo, apenas um desmaio e um corte na cabeça. Senti um arrependimento repentino, eu não desejava a morte de Cassiano, seria uma vingança desproporcional, queria apenas que ele soubesse que o mundo é ruim com quem é ruim, ele deveria saber, ninguém deve achar que pode ser mau sem que haja vez ou outra um ajuste de contas. Se ele fazia tanta questão de infernizar a vida dos outros ele deveria esperar o pior, mas não, ele morreu chorando como um bebê. Por mais arrependido que eu estivesse, não me senti culpado, sabia que não tinha como ter previsto a tragédia e tão pouco desejava que tivesse acontecido. A culpa era da professora que nem sequer aprendeu língua de sinais ou ainda de seus pais que deviam ter escondido os chocolates e torresmos num lugar mais alto, mas principalmente do próprio Cassiano, que se desesperou quando alguém resolveu não aceitar quieto uma injustiça. Me senti muito arrependido, mas nem um pouco culpado.
O acontecido continuou reverberando na minha cabeça incessantemente, porque eu simplesmente não conseguia parar de negar minha culpa naquilo tudo, no entanto toda a extensão dos fatos só se fez completa para mim no dia seguinte. Eu morava poucas quadras do cemitério e o comboio féretro desfilou frente as janelas da sala da minha casa. Vi os primeiros carros subindo a rua seguindo o carro funerário e enquanto eu via o cortejo passar eu repetia por entre lábios mantricamente: “gordo filho da puta.” Me lembro de só conseguir pensar: “olha a merda que você fez, é tudo culpa tua.”


te segurei em embaraços altenados de rudes alardes, sonhos e movimentos sem sentido. me dei sentido, contudo, no fechamento dos meus toques; das mãos sutis, radicalizei por independência. do meu pulso, torturei meu encalabouçados trangressivos impulsos. psicomorfose era pouco. fechei os olhos para finalmente abri-los cegos. matei cognições para finalmente renascerem céticas. teus abraços de memórias acabaram com os meus últimos esforços.



me mantive em desesperantes velocidades frenadas por dores de cabeça, consciência e sentidos sem julgamentos. te julguei, contudo, do afago do nulo ao deboche do malhonete; da reinvenção de Morel, desliguei sua projeção. diante do destino ermo, pintei de transparência meu ventríloco vidro-quase-água. ambulância metamorfomática foi pouco. troquei meus gostos em um brechó de efemeridades para vestir-me novo. despertei lango da tristura para habitar na lisergia da melúria. teus abraços de memórias acabaram com os meus últimos esforços
te guardei em prantos contidos em descansos frios e sem lágrimas. contudo, me fiz sorrisos oportunos em lampejantes privações; do desejo, esqueci os passos. do amor, confundi moralidades em desordeiro torpor. esquivo morfismo em vão. forcei a gargalhada para falsamente repousar insone. me disse perverso para subitamente reencontrar um choro sem medo. teus abraços de memórias acabaram com os meus esforços


S
ão dez da noite e o busão está um inferno, lotado desta porra de estudantes e com um bando de losers indo para uma balada falida. O cobrador parece que saiu de uma briga de rua, todo acabado em cicatrizes bizonhas no rosto e na perna, e o motorista dirige feito um psicopata, parece querer causar muita merda. Tudo otário. Procuro socorro para não escutar o playboy com cara de pirralho falando dos seus projetos sociais para a mocinha toda boba. Bibibi, quero criar empresas para atuar no setor público e bibibi gerar oportunidades para os pobres... Caralho! Estou em um bonde de delírios juvenis de alto naipe. A minha vontade é pegar esse maluco pelo pescoço e mostrar para ele que o mundo é dos espertos, merda!
Yo soy experto, aproveito oportunidades e, claro, não me meto em confusão, apesar de ter vontade de gerar uma briga de vez em quando. Bem, que se foda. Talvez esta seja uma história de um grande negócio, mas de um negócio que é feito para fracassados, lunáticos, abandonados e carentes/doentes (como denomino esse tipo de situação). Eu atuo como uma gota medicinal (homeopática, é verdade) na vida dos meus clientes, um remédio contra a dor espiritual e que pouco resolve, mas alivia por um tempo, nem sei como. Acredito porque todos estão tão merda que nada supera o que vivem. Tem puto com dor no estômago, viciado em drogas, mulher que perde marido, corno incurável, depressivo gótico. Cada um tenho um trato, me resolvo através da ajuda espiritual, psicológica e também motivacional.
Prazer, eu me chamo Pantera e tenho o dom cair nas graças dos que se encontram nesse interior infernal. Tenho o poder de escapar pelas sombras e não deixo marcas… daí vem meu nome, sacou? Nunca me pegam e sempre me procuram com dinheiro sangrado de qualquer lugar. Não me importo. Só preciso aconselhar, dar sorrisos, falar que tudo vai ficar bem... E acaba por aí, sem amizades, sem sentimentos. Eu trato de ajudar e faturo com isso. Não que eu deseje algo de ruim ou faça sugestões que possam levar ao seu fracasso definitivo, deixo a vida encarregada disso... Quando esses caras me procuram é porque já estão nas últimas, ainda mais que a morte vem em efeito dominó na vida desses desgraçados, mãe, pai, tio. Suas caras são distorcidas pela tristeza em uma velhice precoce e vivem nessa total e obscura solidão, horrendos em quartos grotescos que caem aos pedaços na medida que aumenta sua apatia. Eles me procuram, me amam e não param de aumentar; talvez alguém desse ônibus seja meu cliente, mas não me importa. Quero distância!
Há quem se salve nessa lata velha. O casal descoladinho do banco da frente fala sobre os meus desenhos. Ah, olha só aquele smile chapado. Risos. Droga é pra otários. Risos. Nunca deixo de flagrar os comentários das pessoas sobre arte. Eu gosto de arte e também tenho um prazer especial com os doidos. Costumo cruzar com alguns pelos ônibus da vida, acho que costumam sentir o cheiro da confusão em mim, alguma piração magnetizada. O casal avista outro smile. Muitos risos. Começam a falar de quem seria o autor das pinturas. O rapaz diz que provavelmente a autora é uma mãe que teve um filho preso por tráfico e morto na prisão por gang rivais. Original, bem trágico, mas por sorte não tenho inimigos, no máximo ex-Mensageiros que me perseguem quando enloquecidos por uma tarde de diversão. A teoria da garota da frente é que toda essa “merda” (palavras dela) foi criada por uma organização evangélica com propósito de recrutar novos fiéis para sua seita antidrogas. Boa, os dois riem muito. No fundo, são dois otários debochados. Flagro esses debochados por todos os cantos, deve ser efeito de algum retardo mental que causa risadas. Ou maconha.
Fim da linha para esses otários e seus delírios. O boy parece estar caindo pelas tabelas, deve ter enchido a cara em um happy hour tosqueragem. O casal vagabundo continua dando risada. Que se comam ou se matem com esses venenos, não me importa. Desço da lata velha e já estou em frente do depósito da firma. É aqui onde a noite realmente começa. O Cúmplice abre a porta: como sempre, ele está em casa. Ainda bem, seu trabalho é esse mesmo, abrir a porta e deixar tudo guardado para mim. Nunca precisa tocar um dedo no material ou carregar algo, lavar qualquer coisa. Vive numa mamata para receber um salário mensal bem gordo como sua papada por um espaço em sua garagem onde guardo todas as tintas, moldes, panos e o meu Corsa Sedan Olimpiadas Prata 2004, o melhor carro para fazer o trabalho de Mensageiro nessa cidade. Meu carro fica aqui na casa do Cúmplice mesmo, pois só o utilizo para a Mensagem. De resto, prefiro pegar busão e escutar as histórias dos doidos que adoram os meus desenhos. Acho engraçado. É o meu momento de fama e anonimato.
Enquanto pego toda a parada e a coloco no carro, o Cúmplice acomoda mais uma vez a sua bunda gorda do sofá. Ele caminha muito devagar... Está assistindo a um jogo de futebol e pergunta se aceito uma cerveja. Nego e falo que vou sair para dirigir e que não se deve beber e dirigir. Ele fala, ah, é mesmo, como se fizesse diferença alguma para sua vida. A mesa a sua frente está cheia de restos de comida e bisnagas de molhos de todos os tipos. Pergunto se rolou alguma festa na casa e ele diz que não sem tirar os olhos do jogo de futebol entre dois times que nunca ouvi falar. Bem, acho que não entendeu a minha piada.
Meu carro é imperceptível pelas forças de segurança, ele tem a cor e modelo mais populares da década passada e nunca foi parado em qualquer blitz. Veículo que comprei do próprio Cúmplice quando comecei a me profissionalizar, pois vi necessidade de fazer um investimento no meu negócio. O mais engraçado é que nunca nem o levei para minha casa, pois acabei alugando a garagem do cara também. Para completar minha segurança, não chamo a atenção, sou feio e tenho cara de policial. Nunca dou sorrisos ou olho para as pessoas. Uso óculos de senhor e vivo bem vestido, de camisa e sapato. Não uso gravata porque dá muita bandeira de bandido.
O Mensageiro da noite me manda o recado: está no ponto indicado. Seu nome é Roger Guedes e, na verdade, não sei o que esperar dele pois conversamos muito pouco na noite passada, mas me parece ser um baita doidão. Pelo o que me disse, conheceu o serviço pelos anúncios que deixei nos grupos de recuperação de lunáticos. Disse que foi abandonado pela mulher porque usava muitas drogas e que estava desempregado. Mais um do perfil básico.

Meu serviço tem três perfis de clientes. O básico, que são esses lunáticos, drogados, fodidos, fracassados e sem futuro. O avançado, que é formado por pessoas notoriamente doidas e às vezes perigosas, com quem só mantenho relações não presenciais. E, o perfil carente-juvenil, composto por pessoas delirantes e infantilizadas que não tem nenhum amigo ou noção de alguma coisa, nem acompanhamento médico ou social e estão sofrendo solitariamente pelo planeta. Estas últimas costumam me ligar todas as noites, muitas vezes nem atendo. Mandam mensagem no celular dizendo de como se sentem tristes e que precisam de ajuda pois estão prestes a pirar completamente. Mando comprar flores, tomar um calmante, aconselho visitar uma escola ou creche como voluntário. Eles vão, adoram, às vezes são expulsos e nem atendidos são de tão doidos. Ai sofrem por que fazem merda e se arrependem, mas me ligam como se eu fosse a melhor amiga do colegial. Cobro cada 15 minutos de atendimento e ganho mais de mil reais por noite, se quiser. Mas haja saco, ainda mais que nem preciso de tanto dinheiro para levar a vida que tenho. Penso em viajar para Bahamas ou algum lugar bem longe dessa droga de trabalho, mas tenho medo de voar e fico aqui em casa mesmo, comendo no ifood e comprando bagulhos pela internet. A cerimônia da Mensagem só acontece com os quem tem alguma capacidade de conviver com pessoas e eu cobro por noite, como um tipo de atendimento vip para malucos. Eu me viro bem, trato com cordialidade e saco de cara qual é a do malandro.
Dois minutos para meia noite gelada: a hora quando os anjos justiceiros saem das jaulas. Homem de aço renasce e as ruas estão desertas de toda imundice!
Nosso ponto de encontro é o cemitério da SC, um lugar bem perdido e é improvável que haja alguma outra pessoa a não ser o tal do Guedes. Quando contorno o viaduto posso avistar o desajustado de olho na estrada. Dou um aceno de luz e ele responde com os braços ao mesmo tempo que se protege do meu farol. Baixo o vidro do carona e com o som no talo, eu falo o combinado:
- Estou esperando em minha cela fria quando o sino começa a badalar. As areias do tempo para mim estão acabando, yeah!
- O sintoma do universo está escrito em seus olhos - Resposta certa. Este cara definitivamente é o Guedes.
Aviso ao mensageiro que o pagamento da cerimônia é antecipado e não há tempo mínimo ou máximo para a ocasião. Na verdade, tudo depende do meu humor e se vou com a cara do maluco. Ele concorda e já começo a gostar dele. Enquanto dirijo para o primeiro ponto de pintura, explico o procedimento da noite e todos os significados da Mensagem.
- A Mensagem foi recebida por um ente divino bem próximo a mim quem me passou essa missão de recrutar Mensageiros para continuar a difundi-la desde o além sagrado. Sua missão é me auxiliar na passagem da Mensagem e todos desta cidade imunda de pecados ficarão sabendo a verdade por trás de toda essa devassidão. Não faça perguntas, não tenha medo, nada pode nos acontecer. Você faz parte do instrumento que possibilita a verdade, então, basta me ajudar a segurar os moldes e pintar o recado: Droga é pra otário!
Ele nem pisca, parece estar em uma paixão profunda por mim. Esse discurso sempre funciona com os que são coitados de fato. Agora só preciso de uma rua bem inóspita com um muro fudido, mas para minha surpresa ele sabe falar.
- Cara, peraí, acho que eu te conheço de algum lugar. Você é o Hugo, né? Aquele bostão, ex-amigo do Cabeça, puta que pariu, sabia que era um otário por trás dessa merda de "intervenção urbana".
Maldição, fui pego pelo doido! É o Rogério, primo da Mari Pola. Como que não reconheci esse otário? Melhor desmentir tudo e fingir que o louco é ele.
- Com licença senhor, a sua postura está fora da liturgia da Mensagem. Creio que você me confunde com alguma outra pessoa ou está fora de si. Não nos conhecemos, posso te garantir isso.
Respondo sempre acima do nível dessa gentalha.
- Cala boca, Hugo. Puta que pariu, que ridículo… Imagina quando minha prima ficar sabendo disso, vai ser a maior piada. Cara, e que papo é esse de Mensagem? Pantera? Really? Isso é maior bandidagem, isso sim... Aliás, tá cheio dessa merda por toda cidade e você aí, fudendo a vida de vários coitados. Quantas pessoas você já enganou? Sério, quero ver você se explicar com a polícia, imbecil!
Fodeu! O negócio é tentar corromper o desgraçado e oferecer uma grana. Ele é estudante, deve ser um fodido.
- Olha, pega seus quinhentos e mais cem pila para deixar tudo okay, okay? Ninguém precisa ficar sabendo dessa história. Esse é meu trabalho, um bando de lunático vem aqui falar comigo numa boa e a gente faz algumas pinturas para o bem deles. Preciso de ajudantes e cobro para me ajudarem. Que mal tem nisso se eles são felizes? Eles adoram a Mensagem.
- Cara, deixa eu descer e cair o fora. Você tá na merda!
Paro o carro e, antes que ele saia, eu faço a última oferta.
- Toma, dois mil reais e ficamos acertados para sempre, sem polícia, sem merda alguma. Firmeza? Acho que podemos ficar numa boa, cara.
Rogério me olha com um sorriso irônico. Parece querer me sacanear.
- Olha, eu aceito. Mas só se formos dar um rolê.
Eram seis da manhã e eu ainda estava literalmente pichando todos os meus smiles chapados com o filha da mãe do Rogério. Atravessamos toda a ilha, da Ponta das Canas até a praia da Solidão, depois estivemos no Ribeirão da Ilha e acabamos amanhecendo no continente. Criamos versões ¨menos hipócritas¨ como Religião é para Otário e Maconha retarda o câncer. No fim, foi o sepultamento definitivo da minha carreira, já que mesmo pagando uma grana e fazendo o que ele quis, nada me garante que não me entregue para a polícia. Na despedida, o traíra não deixa barato.
- É bom você trocar seu número de telefone e retirar aqueles anúncios. Não seria legal que outra pessoa tivesse a minha experiência, Huguinho.
Digo que sim e vou embora. Passo na casa do Cúmplice e ele está dormindo pregadão. Deixo um bilhete escrito que ele pode ficar com o carro e que está demitido. Vou a pé para a rodoviária e pego o primeiro ônibus para casa da minha mãe. Adeus, Floripa. O mundo é esperto demais para mim. Sinto uma alegria imensa ao atravessar a ponte e desejo rapidamente que ela exploda enquanto pessoas tiram foto da paisagem… que tudo suma, mas com menos de cinco minutos de viagem somos parados por um grupo de policiais. Enquanto pessoas se esticam para tentar avistar alguma coisa e cochicham o que poderia estar acontecendo, escuto o motorista falar algo como "poltrona 23". A minha é a 23.
Um policial entra no ônibus e olhando pela numeração vem até a minha poltrona.
- Senhor Hugo Pantera? Prazer em conhecê-lo. Gostaria que o senhor me acompanhasse.
Destino cruel? Para meu espanto, ao invés de ser preso, fui contratado pelas forças de segurança do meu Estado para trabalhar como Assistente de Marketing com salário e benefícios incríveis, farda de policial e até arma eu tenho. Posso prender pessoas e até matar (quem sabe?), mas o meu trabalho é mais focado na parte intelectual. Hoje, desempenho ações de intervenção urbana para promover a melhora da imagem da nossa segurança pública, com destaque para minhas criações, os personagens Miliquinho e Gambazote. Os dois são amados pela garotada e fazem o maior sucesso nas redes sociais. Fiquei ainda mais rico e não ando mais de ônibus, pois tenho um motorista particular pago pela Secretaria. Às vezes, vou ao encontro dos milicos digitais e tenho alguns amigos que me apresentaram a paixão por montar quebra-cabeças, onde encontrei serenidade peça a peça. Vivo numa boa, pensando naquele otário do Rogério e no dia que vou prendê-lo. Será um dia lindo.



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Sargento Mérida, sim senhor, sempre atento aos contraventores. A vigilância em nome da sociedade do bem e seu passeio matinal em encontros de cachorros classe A. Meu apito implacável alcança todos os limites em minha jornada de transformação deste lugar tomado por trastes, drogados e preguiçosos. Ninguém escapa dos meus olhos, ninguém ultrapassa os seus limites, o parque está sobre o meu controle.
Taí um cara que precisa provar um bom trabalho. Sua missão é bater expediente todos os dias como policial vigilante no parque. A vizinhança do local, maioria de carreira no funcionalismo público e nas forças armadas, tem reclamado da presença de pessoas estranhas, além de relatos de assaltos no parque, que é playground para seus cachorros. Por isso, escalaram o Sargento para dar um jeito nessa bagunça, com ordem de botar todos os vagabundos para correr.
Equipado com sua moto e uma farda carregada de bolsos e armamentos, o policial é o novo rei do lugar, tendo tudo sob seu controle e ao alcance de seus instintos para criminalidade. Desde sua chegada, os inocentes jovens e alguns trabalhadores da cidade começaram a para de usar o único parque da cidade para consumir seus cigarros de cannabis, intimidados pela onipresência do Sargento, capaz de enxergar a centenas de metros de distância uma roda de maconheiros ou mesmo sentir através de seu olfato aguçado a presença de consumidores de droga ou eleitores de Dilma Rousseff.
A maior incidência de vagabundos é durante o almoço, quando costumam dar uma relaxada nos bancos entre as árvores. No expediente de hoje não é diferente, pois ainda existem desavisados que acham que o lugar está de boa. No bosque das árvores, como de costume, há um suspeito que parece acender algo. O Sgt. Mérida vai pelo parque ao seu encontro, em uma lenta caminhada no sentido do meliante, que o percebe e se retira. O sargento apita uma vez e o cara continua caminhando em retirada. Apita a segunda vez e o suspeito, um moleque qualquer, nem olha. Após apitar a terceira vez, o policial da um grito com uma poderosa voz de dominação.
-Ei, você, pare aí mesmo! - O suspeito para a retirada no meio do parque e o policial vai ao seu encontro.
- Algum problema, senhor oficial? - fala o jovem, tentando mostrar cordialidade, mas sem esconder o nervosismo.
- Como é seu nome? - afirma o sargento de descendencia polaca, dois metros de altura, cara de poucos amigos e com bloco e caneta para anotações em mãos.
- Bud Weiserberg.
- Bud o quê?
- Bud Weiserberg. W - E -I - S - E - R - B - E - R - G. É alemão.
- Mas escreve com B?
- Como assim? Meu nome?
- Isso.
- Bud é com B. B-U-D.
- Ok, Senhor Bud! O que você estava fazendo naquele canto atrás das árvores?
- Eu estava fumando um cigarro. Moro aqui do lado!
- Um cigarro de? - e o Sargento coloca a mão em seu cinto de armamentos, parece que vai pegar algo.
- Um cigarro Marlboro. Sou trabalhador. - Responde dando um passo atrás e com a cara já cheia de suor, quase em lágrimas.
- Você está mentindo para mim. Sabe o que acontece com a pessoa que mente para um policial? Ela acaba presa. É isso que você quer?
- Não. - Responde o suspeito, cada vez mais apavorado.
- Então, vou te dar mais uma chance. Venha comigo... - O Sargento pega-o no braço e o conduz até o mesmo lugar entre as árvores onde ele acendia aquele "suposto" cigarro.
- O que o senhor vai fazer comigo? - pergunta e chora. Já nem controla mais suas pernas, que se batem sozinhas.
- Você sabe o que é isso? - diz o sargento, enquanto exibe uma pequena lata de spray retirada de um dos seus diversos bolsos.
- Si-sim. - balbucia acovardado.
- Pois você quer que eu o use agora mesmo?
O suspeito nem consegue mais falar e só balança a cabeça em meio de algumas lágrimas. O Sargento baixa a lata e fala:
- Senhor Bud, te pergunto mais uma vez... O que você estava fumando aqui era um cigarro de que?
- Maconha, Sargento. Um cigarro de maconha!
- Muito bem. Agora, escute-me bem… Vem aqui e veja estes prédios, são todos habitados por militares do mais alto escalão. Eles não querem ver pessoas fumando em seus parques, e é por isso que estou aqui, para dar um fim nisso e tocar daqui pessoas como você. Agora, vá e avise a todos os seus amigos que este parque está sob cuidados do Sargento Mérida, está bem?
O rapaz agradece, diz que isso nunca mais vai se repetir e logo desaparece pela rua lateral. O sargento volta ao seu posto de vigilante com sentimento de dever cumprido. Nesta semana já foram oito pessoas abordadas e todas admitiram estar contra a lei. Curiosamente, cerca de quinze minutos depois, acontece uma série de assaltos em uma rua a duas quadras do parque. Muitas pessoas agredidas, outras roubadas, documentos, telefones móveis caríssimos perdidos. O bandido escapou sem ser visto, mas o sargento logo levanta suspeita de algum morador de rua qualquer e ainda conclui que tudo isso é por causa do governo federal e reclama que a polícia não pode cuidar de todo mundo.
- Aqui no parque não vi nenhum ladrão - esbraveja para si mesmo o sargento, em um sentimento de cobrança.
Seu expediente acaba às 6 da tarde, quando escurece e o parque vira um breu total. Durante as próximas 12 horas acontece de tudo naquela pedaço de natureza conservado no meio da cidade. Há casos de violência, abandono, pessoas sofrendo, criminosos em fuga, estupros que não entram na cardeneta do Sargento. Os ouvidos do bem dos vizinhos brancos adormecem em suas jaulas de entretenimento financiadas pela nação, os de carreiras corretas e repletas de medalhas. Seus brindes de caipirosca importada no churrasco de domingo com a vista privilegiada da alta patente decadente da cidade deve ser protegida. Para longe ou para cadeia, essa é a ordem e eu não contesto.






A
massa de água entre Continente e Ilha costumava ser um cartão-postal, décadas atrás, quando ainda não tinha espuma tóxica nem sofá boiando. Eu olho pro mar escuro, espremido na porta do vagão, e uma voz interior me lembra de que algumas pessoas já haviam caído ali porque uma das portas do vagão tinha aberto sozinha.
O metrô para na Beira-mar Norte, Linha Um, entre o Terminal de ônibus Central – o Ticen – e a rodoviária. Ainda tenho que tomar a Linha Dois, sentido Leste da Ilha. De lá, são cinco paradas, nas estações Mauro Ramos, Agronômica, Trindade, Udesc e Morro da Lagoa, antes da Rendeiras. Eu me pergunto se o próximo vagão vai cheirar a mijo ou a vômito.
Protejo a carteira no desembarque e me misturo à muvuca dos passageiros e vendedores: “Chip da Tchau, dex pila, vai um chip da Tchau?”, “Daí, jogadô! Cafezinho, salsicha, pão com ovo...”, “Dixcola trêx pila po latão?”. Tropeço em umas crianças descalças que sempre me pedem dinheiro e ouço uma música de flauta bem familiar e desagradável por cima daquela bagunça. Tento fugir daquelas notas, mas elas parece que me hipnotizam e me levam pra fora do corredor da Linha Dois.
Uma velha de roupa escura cheia de penduricalho toca uma flauta curta de bambu sentada no chão com as pernas cruzadas. Meu estômago revira, minha vista escurece. Eu tinha esquecido aquela mulher fazia muito tempo. Ela olha pra mim, e sinto como se encostassem brasas nos meus olhos. Seguro o vômito. O mesmo cabelo branco bem comprido, amarrado na altura da nuca; o vestido de renda, os anéis de ossos, os brincos e colares dos nossos dentes de leite. Eu tinha esquecido tudo.
Quando eu era criança, numa noite dessas, ela levou dois de meus irmãos e eu por uma trilha no Rio Vermelho até um ponto na praia do Moçambique. A gente ia pro Congresso de Bruxas da Hora Morta, e a função das crianças era vigiar o mato. A velha se cobria com o couro de um jacaré amaldiçoado que, quando ela queria, transformava o corpo dela no de um lagarto bípede grotesco. Nessa forma ela mutilava pescadores e sequestrava recém-nascidos, que ela transformava em coisas como eu.
Cada vez que um de nós esfriava e abria os olhos, ela apontava pro mesmo moleque torto no grupo e dizia se tu não obedecê à vovó, a vovó vai virar ox teu pezinho pra tráx, quem nem ox do teu irmão, entendesse? Depois ela servia um prato com carne ao alho e olho.

O processo é simples: Faça massa de cuca, misture as almas dos bebês e reserve. Cozinhe a carne deles num caldeirão em fogo conjurado do Inferno. Acrescente erva-do-diabo, cogumelos-de-saci, um litro de maré de Lua Nova, muito alho, sal e pimenta a gosto. Reserve. Separe a massa de cuca em assadeiras com formato de criança. Recheie as cucas com goiabada e tangerinas,
que é pra dar uma corzinha, e leve ao forno.
O Congresso Bruxólico começou à meia-noite e contou com bruxas de toda a Ilha, algumas do Continente e ainda outras de dimensões paralelas e buracos no chão. O Capeta, naquele dia muito elegante com seu terno de pele do Coro Natalino e cheirinho de Le soufre de l`Enfer, lambeu os chifres e apresentou a convidada de horror, A Dívida. A Dívida tinha recém voltado de um curso de especialização nos Estados Unidos e era a palestrante do Congresso, cujo tema era “Adaptação aos Novos Tempos – Técnicas Contemporâneas de Esculachos Generalizados”. Tinha algo diferente no ar. Poucos vermes e baratas tinham comparecido. As bruxas não cagavam tantas blasfêmias quanto de costume. Elas pareciam apreensivas.
Depois de uma breve apresentação, O Tinhoso cedeu a palavra À Dívida. A Dívida era uma bolha obesa que suava pus, e logo desdobrou do bolso um homem de paletó e cabeça encaixados no torso. Ela era uma excelente ventríloqua e, pela boca do homem, saudou a todas com desejos de muitas eternidades no Inferno, e declarou que o Projeto Pós-Éden precisava de mudanças.
Ela dizia que o velho conceito “Bruxa” já não funcionava. A Raça até usava o nome delas pra promover O Turismo. Escritores e Cineastas tinham exposto aquelas mulheres à exaustão e ninguém se assustava mais. Bruxa era coisa de desenho animado pra criança. Na Praia Mole, por aqueles dias, tinha um cartaz que divulgava uma festa na “Terra das Bruxas” em Jurerê, e era comum ver criança com camiseta da “Ilha da Magia” brincando na areia. Bruxa não tem mais graça. O Homem de Terno continuou dizendo que a Separação da Humanidade continuaria sendo feita como desde o início dos tempos, mas de outra forma. Os tempos eram outros. O Mal não era mais mau, o Bem não era mais bom. Virtude e Pecado eram adequados de acordo com a necessidade de quem estivesse no poder. A Maldade era Bondade, a Mentira era Verdade, o Desmatamento era Crescimento e vice-versa. Nós tínhamos que aproveitar aquele novo fluxo de ideias e levar o Projeto a outro nível: o da Modernidade. Isso já estava acontecendo no mundo todo, aqui não podia ser diferente. Vamos expandir o Mercado Imobiliário até inchar, alimentar o Turismo Predatório até explodir e encher as praias de cocô. Depois venderemos o conceito de que tudo isso é necessário ao crescimento da cidade, portanto, bom pra todos. Vamos investir nA Educação até que todos pensem do mesmo jeito. Quando eles acharem que estão unidos, estarão o mais separados. Não é maquiavélico? Essa é a Maldade dos Novos Tempos. Em vez de dividir famílias, dividiremos grupos sociais inteiros. Em vez de semear a discórdia entre vizinhos, plantaremos hectares de guerras entre grupos religiosos e etnias, e muitos vão achar que é assim que tem que ser. Isso é profissionalismo. Olha, gente, bruxa fazendo doce de criança parece história do Sítio da Maritaca Verde. Dar nó em crina de cavalo, até morcego dá. Matar gente, essa gente já mata. Vocês estão defasadas. Vocês viraram bobagem. Só vou tirar o chapéu pra aquela de vocês que teve a ideia de por fogo em cabeça de mula, isso foi visualmente interessante. Vocês precisam ver o que os vampiros andam fazendo lá em São Paulo, que exemplo. E olha, meninas, já é hora de começar a ganhar algum dinheiro. Fazer maldade de graça é coisa de amadores.
O lugar foi tomado por um rebuliço de bruxas indignadas que ameaçavam bruxalizar A Dívida.
Cimentar a Ilha? Fazer maldade com bondade? Daqui a pouco ela ia mandar que fizessem caridade, igual ao Outro lá, o Jesus. Pra apaziguar a situação, A Dívida sorriu com o bonequinho humano e disse que compensaria as colaboradoras com uma oferta imperdível: na compra de uma Vassoura Voadora Zero Quilômetro com GPS, Computador de Bordo e Ar-condicionado (em até 48 vezes no cartão de crédito), você ganha um Kit Enceramento e Cristalização. É uma pechincha, é só economizar no dízimo. Mas espere! Se fizer o pedido na próxima hora...
...algumas bruxas se interessaram, e a confusão foi generalizada. Nem o Diabo conseguiu dividir. Entre insultos, ameaças de conversão ao Cristianismo e vassouradas, a Sociedade das Bruxas provou do próprio remédio e se separou.
O Tempo esfumaça nos trilhos do metrô e eu volto para onde e quando eu estava. Ainda na estação, eu ouço o anúncio da Linha Dois nos autofalantes. Minha avó me explica que este é um movimento de retorno às origens. Eu vejo alguns dos meus irmãos misturados à multidão: um deles vende artesanato, outro trabalha no Café, outro limpa o banheiro. Algumas bruxas das antigas também estão por ali: leem as mãos dos passageiros, jogam tarô e vendem ingressos pra Festa da Tainha. Um dos meus primos-rato de Ratones parafusa alguma coisa na manutenção. De repente lembro que vejo aquelas pessoas todo dia.
- Tu venx com a gente? – ela pergunta.
Eu não sei o que pensar nem o que fazer. A lembrança da minha origem tinha me deixado um gosto terrível na boca. Eu não sou maniqueísta. Maldade por maldade, que fique tudo assim mesmo, pelo menos eu tenho um emprego.
Ela parece ler meu pensamento:
- Maldade por maldade, a gente fica com a nossa própria. Vou te dar um tempinho pra ti decidir, mô quirido.
A velha toca algumas notas estridentes na flauta e meus tornozelos começam a retorcer.


Outro dia uma esquina havia uma casa e uma família destrona, transitória de canto e canto por prédios e escadarias abaixo como outros loucos fatíferos. Brandam de fome e esquecimento de tantos lamentos em pro pudor, de lentos toques escuros de tons e futuros iguais. Dia, noite, digitam segredo e sonho, tolo e abril em colisão de mentiras. Fugas américas de foros sem brilho, vazios pela decrepitude moral, crescidos em verdades absolutas de brutalidade. Trabalharam no ódio em seu orgulho para qualificar o espaço de sua lápide.




O sangue que escorre entre os nossos dentes, os podres que matamos para sentar em cadeiras confortáveis e limpas de toda brutalidade. Socializamos nossas salas e investimentos. Paz branca para toda humanidade que sangra em nossos calçados. Empanado, frito, salgado, por favor, não demore meu escravo, “Teu vacilo é o teu passado”. I got power, very power, sufocated, dominaded. Recheio cheiroso de carne moída micológica a parte. Late, rale, sofra em conluio dos líderes da cadeia dominatória. Sonhos se desistem aqui e em pane, depois de tanto desperdício de vidas. Adeus, amigos. Rio sozinho em minha vista privilegiada.




Tudo que passou foi consequência de anos de exploração. Primeiro, vieram os que importam para sugar o suficiente do que temos, depois aqueles que retiraram o que sobrou sem se importar se tudo estava destruído. O final mesmo foi a retomada e o nascimento de algo não estava planejado para acontecer. Tomaram uma virada e a virada está de olho em seu lugar. A guerra está entre deixar isso acontecer ou acabar com eles, mas parece que não há como vencê-los. Eles são muitos, e juntos, são fortes. Temos medo de perder, mas tudo vai ser perdido. A culpa cristã prevalecerá, mas o destino é forte demais para qualquer deus. Ele está na cruz para todos que iniciam a revolução. Quem poderá se salvar do destino melhor? A luta está em cada alma de esperança, na voz, nos cantos, nos dias melhores que sempre chegam graças aos que acreditam. O poder está virado em cacos no chão para um porcento que sofrerá a ira dos novos tempos. Que iniciem.







